O MENINO E O MAR
Sob meu olhar de criança foi um Rio que passou em minha vida,
amor à primeira vista e até hoje não esqueci de namorar o mar,
belas imagens guardadas em minhas retinas para sempre
Marina da Glória, vista do céu, batizada com o mesmo nome de minha mãe
A noite chegou e demorou a passar. Um muro de
escuro, não deixou minha imaginação ver o outro lado do mar. Passou um navio
com sua luz, apressado. Sob meu olhar de criança regalada, com tanto
desconhecimento deslumbrante, frente à Baia da Guanabara. Foi no Rio de Janeiro
de queixo caido, na janela do Hotel Glória. Espaço reservado pra turista
estrangeiro. Minha mãe me colocou em sua bagagem, com direito a passagem nas
asas da Panair. Fiquei alucinado na cabine do quadrimotor. Táxi, Chevrolet 48,
até o aeroporto da Pampulha. Terno branco bem talhado, sapato novo e lustrado.
Gravata borboleta preta, tudo em primeira edição: Mar, hotel chique, avião! O
ano era de presidente Bossa Nova, no Palácio do Catete. Tudo para mim novidade:
servida com requinte de hotel de luxo e sabor de manjar. Patrocínio do programa
“Esta é sua vida”, TV TUPI, apresentado pelo ator Paulo Gracindo. Eu, menino
nascido em uma roça iluminada, sendo levada ao palco de um espetáculo na cidade
maravilhosa, como mágica de circo ___* É demais! Como diz o Faustão, que igualmente
já tem seu circo: ___ Ôorra meu!
À primeira noite, o menino mediterrãneo namorou o
mar. Se encantou sob seu domínio. Agradou do seu cheiro e de algumas gotas
salgadas que sentiu chegar, à sua boca. Mistérios! De olhos bem abertos, tateou
no escuro o barulho das ondas, gritos e apitos vindos do cáis. Vozes cariocas
passavam em frenesí abaixo do seu quarto de dormir. Tinha somente seis anos,
este admirável mundo novo era simplesmente fantástico. Ser criança é simples
assim. Guardo em minha retina, as imagens excitantes e coloridas deste amor à
primeira vista, pelo Rio, pelo mar.
Manhã seguinte, fomos de trem ao Corcovado.
Passamos pelos Arcos da Lapa, por Santa Tereza e depois puxados morro acima,
por uma cremalheira (negócio esquisíto, espécie de corrente de bicicleta
gigante) que ajuda a empurrar o vagão. Ladeando a bitola estreita dos trilhos,
uma larga e bem cuidada floresta. Lá em cima, um belo sol ajudou a enxergar
melhor, a maravilha de cenário que é esta cidade, debaixo dos braços do
Redentor.
À noite, me recordo bem, aconteceu o momento
principal de nossa ida à capital federal. “Esta é sua vida” neste dia, focava a
história de uma amiga de minha mãe, trabalhavam juntas. Ao término do programa,
além de homenagens e presentes, recebeu uma criança para adoção. Em Belô,
morávamos na mesma rua. Fomos vizinhos por muitos anos. Este menino, já adulto,
percebeu-se que era portador de deficiência, necessitado de cuidados especiais.
Sempre acreditei que sua mãe o tratava com todo o amor, como verdadeiro filho.
Eu, como verdadeiro filho de uma família de oito irmãos, sempre acreditei que
minha mãe me tratava com todo amor. Nesta viagem, contudo, cristalizou-se em
mim, mesmo infante, este sentimento. Sentia-me especial por ter sido o escolhido.
A presença de minha mãe significava segurança. Sua
mão firme me guiando traduzia proteção, amparo.
Fazer parte de um programa na Tevê, outro dia mais, passeando no
Bondinho do Pão de Açúcar. Conhecer o Rio, “debaixo de suas asas” foi tão
sublime e tão doce que mesmo após muitos Janeiros, (só Freud explica) tenho
indelével na memória, a cidade maravilhosa e a primeira vez que a vi.
Por outro lado, depois de anos de reflexão e
análise, venho a reconhecer que, minha mãe com sua luz, passou apressada sob
meu olhar de criança cansada. Tornei-me adulto, sofri. Enfim, a sombra da noite
chegou até ela e demora a passar. Deixou meu coração retraido em contração da
dor, frente à última vez que a vi. Continuo apenas, um corajoso a mais,
caminhando nesta terra, buscante do Norte. Um fernando sabido, nada além! Do menino e o mar, do outro lado do muro de
escuro, o quê que há? Simplesmente pra mim, um tanto de desconhecimento
misterioso, ainda. Porém, certeza eu tenho do nosso reencontro marcado. Vou
estar juntinho dela. Vai ser lá, onde “Esta é sua vida”, continua eterna!
Fernando das Pedras
05/08/2007
Mister sorriso, médico, pé de valsa e presidente Bossa Nova, o Nonô da Dona Júlia, o menino Juscelino
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