domingo, 6 de janeiro de 2013

DANCING IN THE RAIN AGAIN





                                           DANÇANDO NA CHUVA

           Hoje é dia de santos reis. Folia contida neste janeiro que abriu as comportas do céu e mostra uma face do deus Janos, molhada, virada pro futuro, sem a tradição do veranico. A outra face, voltada pro passado viu sinais de fumaça da grande depressão. Neste ano que insiste em apontar, que vivemos no planeta água e infelizmente já sinalizou com algumas tragédias, na urbanidade, no interior, resultado de desequilíbrio ecológico, adensamento populacional, desastre ambiental. É a mão humana indesejável e corrupta, quando se volta contra a natureza. Em Angra que também é do Rio e dos Reis, uma avalanche pesada, encharcada de barro, pedra e mato, deu cabo à vida de várias vítimas. Os vivos choram a saudade dos que se foram. Assim como o velho ano,
não voltam mais.É janeiro e seu alvorecer primeiro, final dos fogos, no ar, na terra e no mar. 

Neste dia de reis, folia molhada de chuva miúda, recebo a visita de um casal. Não vieram acomodados nas duas corcovas do camelo e sim em cima de quatro patas redondas. Tempos modernos. São gordos, para não dizer obesos. Não consigo visualizar, qual miragem de imaginário deserto, o Baltazar da história da visita ao Deus menino. Lembra mais o momo, com sua adiposidade despencando sobre o dique de contenção formado pelo grosso cinto, contornando sua larga cintura. Desce de sua montaria em companhia de sua presumível esposa. Não são daqui, vêm de mais longe.
            A mulher de maus bofes quer pedra e tem pressa. Quer preço e desconto. Quer pagar à vista. Coisa preciosa para mim é a pedra (meu sustento) e também cultivar amizades plantando boas palavras entre os clientes. Neste caso a cliente pouca pedra quer. Menor ainda, sua disposição em conversar. Pouco me importa, a atenção é a mesma.
             A senhora quer somente pedra de cuja cor ela gosta, não sabendo que o seu dinheiro não compra o que a natureza não nos deixou extrair. Ela mesma (a natureza) só obedece a quem lhe respeita as leis (Francis Bacon, séc. XVII). Tenho a impressão que ela (agora, a mulher) dona de sapataria, nunca calçou um paradoxo filosófico, pintado com tamanha sutileza.
       Desmanchando uma pilha de pedras acondicionadas, a balofa madona vai dizendo:- Esta não quero, esta não me serve. Aquela não, é feia. Feia é a cena que presencio: alguém que retém em suas mãos gordas, um rechonchudo talão de cheques, pedindo desconto de antemão, acreditando que visita um final de feira, torcendo pepinos, quebrando talos de couve e quiabo, amassando tomates. Desagradável é assistir a compradora sem educação, que admite quem sabe, que a jazida de quartzito fez convênio com a Coral ou Suvinil em seu mix de computador, que faz a cor que o cliente deseja, instantânea.
             Volto à mãe natureza: são milhões de anos necessários para formatar aquelas placas de pedra, muitos anos antes do advento do capitalismo e a posterior pressa alucinante de uma cronologia marcada pelo relógio. Pedra é da natureza. Pedra e natureza, simbiose de equilíbrio e harmonia, nas cores e nas formas. Leitura sensível, que um apressado consumidor, acostumado ao código de barra, sequer percebe as nuances deste nicho de mercado, tão distinto de um shopping da construção. Pedra de toque, pedra fundamental, pedra angular. Está na Bíblia, a dimensão espiritual da rocha.
            O rush mental que é a nova corrida do ouro, (pode-se traduzir por dinheiro) transformou o homem e a mulher em predadores do alheio, sem código de ética, sem moral. Importante é levar vantagem, mesmo sendo preciso pisar nas flores do jardim de outrem. A educação do caráter, ainda não foi aprovada nos bancos escolares. A evolução espiritual continua díspar da revolução tecnológica.
            Retorno à matrona gordanchuda de egoísmo, em sua azáfama, azucrinando minha cabeça grisalha, com pouco grilo. Neste ritmo ­­ando devagar porque já tive pressa. Levo o sorriso para dentro de mim. Conhecendo a marcha e tocando em frente, passei o bastão para uma outra pessoa mais jovem, aprender o sabor das massas e do que maça, pois vale a máxima: o cliente tem sempre razão. Enfrentar este maçarico vestido de compradora agüento mais não. Ainda assim levei o meu guarda-chuva família para servir de abrigo ao perímetro farto daquela balzaquiana. Gentileza urbana! A chuvinha miúda teimava em prosseguir.
            Uma hora e três metros quadrados contados, pedra sobre pedra, da pilha derruída. A pilha da minha paciência piscando no vermelho, lavei as mãos e à distância assisti ao desfecho desse drama mexicano no caminho das pedras. Tendo como pano de fundo, a folia de rei e de sua rainha de mãos de musa da idade média, qual Mona Lisa.
            Ainda assim, findo o episódio, algo mais me aguardava. Ao sair com os três metros quadrados guardados em seu reluzente coche, (uma pick-up Adventure Fiat) a luz da esperteza brilhou. Entre suas coxas rotundas, um guarda-chuva, de cabo preto emergente e muito semelhante ao meu, apareceu.
            Tarde, longe a dupla de momos, bem percebi que caíra num conto de reis. O guarda chuva tão familiar, não valeria dois contos de réis do tempo de antigamente. O desconto do rei e da rainha gorda foi transferido via on-line e a fórceps, para aquele objeto útil, neste janeiro sem a tradição de veranico e com muita chuva.
       Enfim, muito axé neste próspero ano. Haja paciência com o próximo,seja gordo,seja magro.

Frediaster Mineirim
06 de Janeiro de 2010

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