Deus me ouviu
Sabe
aquela dor de alma que penetra como chuvinha renitente com sua umidade de
lágrima de saudade e entristece o coração da gente? Não sei o quê de saudade, a
corroer a fibra que me faz vencer a tormenta da depressão. Invasiva, corrosiva,
quer rasgar minha bandeira desfraldada, que peguei emprestada à Petrobrás – o
desafio é a minha energia. Não nego que fiquei meio "down".
Sabia
que há na Terra duzentos milhões de cabisbaixos e ciclotímicos terráqueos,
vacilantes e submissos à evolução de uma doença comportamental percebida na
Grécia antiga (por Hipócrates), porém não resolvida mesmo na sociedade “avant
gard” do primeiro mundo? No contemporâneo, após sucessivas mutações de “apelido”,
ostenta o pomposo “nombre” de : bipolaridade, cruzes!...Me recuerda a la Guerra Fría, EE.UU. X URSS que casi termina el mundo (sic), sobre
los cielos de Cuba, entre los
misiles que se
lanzará en Estados
Unidos y el
plano U-2
derribado en La Habana... Afortunadamente,
no pasó nada, a pesar de que Kennedy y Fidel permaneció en represalia feroz.
Estou triste sim, de saudade de minha raiz de
afeto, meu chão. Fraternal e distante meninice. Somos 8 irmãos. Infinitas possibilidades
de amor ao próximo, mais próximo. Porém dois sócios em empreitada funesta, o
tempo e a distância madrasta, isto decidiram abortar.
Envergonho
não, lhe afirmo – senti ímpeto de digitar o número do telefone de minha mãe.
Ouvir sua voz, sentada na velha poltrona. Perna estirada sobre tamborete,
brigando com os personagens do mal, vibrando com a mocinha do bem, ao assistir
a novela predileta – um de seus poucos entretenimentos, impedida de caminhar.
Sei que este cenário foi desmanchado. Outras páginas da vida perderam seu
pé-de-vento. Como folhas secas lançadas ao chão, rompeu-se o liame da realidade
assim como o da ficção. Acontece que não existe mais Marina. O pai nosso,
Realino, virou menino e qual passarinho voou. Habita no esconderijo do Altíssimo,
descansa à sua Sombra, livre do laço do passarinheiro. E as tardes de domingo
se encontrando os filhos a conversar? Os plantões espontâneos e diários,
oportunidade rara de fraternidade que nutriu mais os corações irmãos que aos
próprios pais – às vezes, doença prolongada é fio que conduz a energia do amor
entre os iguais.
O
fio se partiu. O tempo só fez aumentar a distância pro desejo alcançar a
felicidade. Agora me pergunto: será preciso uma doença grave dentre os irmãos,
para restabelecer o fio de união – a saúde afetiva de todos? Reconheço as
necessidades próprias de cada filho e de cada família derivada do casal
ancestral. Os diversos afazeres de responsabilidade no trabalho e também lazer.
Em não havendo um propósito firme e comum, seremos mais um grupo familiar entre
milhares desta grande cidade. Vala rasteira de neuras, medos, segredos e pior –
um desbaratado amor.
A
que isto leva além de agradáveis viagens ao interior das Minas, ou mesmo no
estrangeiro? Continuaremos estagnados – água empoçada na plataforma da
periferia de nós mesmos. O egoísmo tão impregnado nas pessoas é como iceberg
que se quer introduzir em um copo d’água: implode o conteúdo pela sua massa e
por sua frieza expansora. Exagero à parte, aprendi algo na estreiteza da vida
de bolso vazio dos últimos tempos – a amizade fica sendo a única fonte de ânimo
entre os humanos.
E
aí então, quando aquela dor de alma se tornou mais pungente – pontiagudo
pensamento reincidente espicaçando a sensibilidade esgarçada pela saudade de
mim mesmo: eis que me vem a visitar onde moro, insulado entre montanhas, um
conhecido do passado. De passagem resolveu me reencontrar. Um buraco negro de
quinze anos condensou a distância. Agora um defronte ao outro. Felizes olhos,
um par de brilho. Seu sorriso denuncia a alegria vazando de um coração sincero.
Confesso que não o reconheci de chofre. A poeira temporal ofuscou meu olhar
cansado – cílio molhado? Garanti ser cisco na visão. Nem mais nos vimos neste
remoinho de anos, tampouco falamos. Além de grisalho, eu dez quilos mais
pesado. Ele eliminou vinte. Sua estatura mediana. Mas o coração, "chagásico" de gordo afeto!
Estava
longe daqui, disse que relembrou mais uma vez de mim. Isto era ontem. Hoje aqui
está. Como bom velejador soube traduzir a brisa – quem sabe um passarinho lhe
contou – da dor que remoía meu peito. Vento brando, sutil e ligeiro, o fez
refazer sua rota para me rever a tempo. Firme no leme, ancorou seu barco neste
mar de pedra e com sua mão simples de artesão – veio fazer doce de palavra
amiga. Quer uma colherada desta coisa deliciosa? Na toada de sua delicadeza
percebi o quão a amizade é um santo remédio.
Falou-me
de Jesus – ainda me espera de braços abertos. Sua casa humilde como ele.
Terreiro de chão batido no ritmo dos tambores de raiz d’África. Velho pobre e
dedicado rei do congado. Da mesma forma o carpinteiro Maurício. Éramos unidos
trabalhando num mesmo ofício. De pau e pedra. Móveis e utensílios, artesanato
da cidade cuja lagoa é prata. Claro, aprendi que é ouro este sentimento cada
vez mais raro. Como metal nobre conduz e reflete a luz do sol. Da vida, da
alegria, do abraço apertado, do sorriso. Reconforta de energia nossa alma
doída.
A
presença de Samuel. É este o nome do peregrino, em minha morada (ele em corpo e
alma amiga) – ausência do laço de sangue mas com o mesmo fio de união que
conduz a energia do amor entre os iguais. Para algumas famílias se puiu, em
outras perdura inda mais.
Agradeço
a Deus por essa visita – /ânima /de vida a quem padecia de /banzo/. Agradeço a
você, Samuel. Por sua ação de fraternidade, retransmitindo-me o bem-querer. Não
por coincidência nem casualidade, seu nome significa em hebraico – *Deus me ouviu*
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