quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O CASTIGO DE SÍSIFO SUAVIZADO NA PERSISTÊNCIA NO TRABALHO COM A PEDRA ANGULAR



TIRANDO LEITE DAS PEDRAS


Caminhando em direção à origem de nossa região, encontramos no fundo da bateia e em cima de uma peneira de garimpo de ouro e diamante, iniciado há três séculos, a vocação, o corpo e alma desta Minas Gerais. Em nossa Gouveia, a realidade aponta um rumo novo do extrativismo mineral, oriundo do pioneirismo de homens obstinados.
A extração de pedra mineira ou quartzito o faz emergir sob um olhar atento, em pleno século XXI. Hoje o labor da pedra constrói um homem que resgata sua dignidade e cidadania. Sem precisar de esmolas. Sem onerar os cofres públicos. Vendo seu filho crescer, sua família progredir, ser feliz, viver em paz. Trabalhando na rocha, perto da casa, enraizado à família, evitando o êxodo histórico para as grandes cidades, o inchaço das favelas e o aumento das estatísticas do desequilíbrio social.
O trabalho na pedra alimenta a família de maneira mais digna que nos tempos dos escravos e senhores de engenho. A realidade do Engenho em nossa Gouveia é uma Janela de Pedra aberta à percepção do cidadão cônscio e interessado no progresso da comunidade. A comunhão participativa do poder público, nas esferas federal, estadual e, principalmente, municipal, com o empreendedor e os cooperados, em harmonia com as leis ambientais e o equilíbrio com a natureza e o meio ambiente, pode e deve impulsionar o progresso de nossa cidade e de nossas famílias. Isto é hoje a “menina dos olhos” de organizações governamentais. Permitindo, em breve, transformar nossa cidade, em centro de referência regional da indústria de extração de rochas ornamentais.
 Da janela temporal dos 25 anos que esta comunidade me acolheu, enxergo (a par de muita luta) um futuro pintado do verde da esperança. Hoje somos 80 famílias que nos “alimentamos” das pedras. Está em curso, a implantação de um projeto de política social (do qual, aliás, eu tomo partido) incentivado pelo Ministério da Integração Nacional, cujo órgão gestor é o Instituto IEL – Euvaldo Lodi. Amarrado a sólido acordo de parceria da prefeitura de Gouveia, os trabalhadores que, desde quatro anos atrás, em regime de co-gestão com esse empreendedor, libertaram-se com as próprias mãos das algemas de um salário indigno, sem inserção social, sem qualificação para o exigente mercado das capitais, vivem no campo ganhando cerca de 800 reais mensais na condição de cooperados.
Esta idéia, incentivada por mim, ainda no lugar de patrão, tem nome: Coopita – Cooperativa de Pedra do Espinhaço. Por enquanto criança, sem registro! A Prefeitura Municipal abraça em nossa causa (precisamos ter discernimento para reconhecer a gestão pró-ativa dos administradores do bem público, independentemente da cor partidária). A cooperativa Coopegardi de Diamantina trouxe o Projeto Produzir do Ministério da Integração Social. Instalado, ele carreará para o Engenho infra-estrutura, equipamentos, energia para beneficiamento na jazida, capacitação (treinamento) para os trabalhadores, gerenciamento e artesanato para mães e adolescentes. Enfim, após 25 anos de tenacidade e paciência, recebemos um presente de Deus, um milagre, como diz o Daniel da risada gostosa.
Aproveitamos para agradecer à senhora Meire, da Coopegardi que nos convenceu a filiar 80 pessoas àquela entidade, em 13 de janeiro de 2006. Demonstrou com brilhante oratória a importância de aceitamos naquele momento à adesão a uma instituição que já dura 17 anos, para mais à frente registramos a Coopita, a nossa cooperativa criança ainda, de quatro anos. Ao prefeito, senhor Alberone, registramos nosso reconhecimento pelo empenho e dedicação em prol da eficácia deste projeto de grande alcance social. Liberou hospedagem, escritório, computadores, condução. Para facilitar a ação dos técnicos que muito em breve permanecerão 90 dias entre nós. Será um mergulho de conveniência para fazer emergir soluções de política social.
Com certeza vamos ainda mais, “tirar leite das pedras”. Pois, a mãe natureza é farta!

Fernando Antônio Linhares de Araújo
Fernando das Pedras


            Este texto chegou a ser publicado, no jornal Gazeta Tijucana, de Diamantina em 18/06/2005, devido ao entusiasmo que vivenciamos à época por promissoras perspectivas descritas no acima exposto. Infelizmente, conjunturas malversas de cunho político local, ruíram nosso projeto de sedimentação dos alicerces econômicos e sociais de nossa atividade extrativista mineral.




A política não é definitivamente um caminho
que possa nos levar ao céu. Contudo, sem ela, a
vida na Terra pode virar um inferno.

Nicolau Maquiável

Ah, mas a fé nem vê a desordem ao redor. De
sofrer e de amar a gente não se desfaz.

Guimarães Rosa




            O desafio é nossa energia, desgasta mas não desanima, outras vezes fomos barrados no nosso progresso. Mesmo mais recente aconteceu novamente em três novos momentos. Um pioneiro de fibra, não esmorece fácil.



Pioneiro
                                                              Ao que abre trilhas, onde um dia serão estradas
                                                             pavimentadas, tem que haver desprendimento,
                                                         para aceitar que suas balizas serão alteradas.
   Humildade suficiente para entender que há gente
                                                que lhe passa à frente, sem respeitar os
                                                         princípios, pois a eles os meios justificam os
                                                                fins.
                                                               Dignidade para estender a mão solidária, àqueles
                                         que, qual espinho, espetam ácidas palavras.
  Fernando das Pedras

Desenvolvimento
           

A consciência ecológica brotou em mim, muito antes da presença de qualquer agente ambiental aplicando de forma rígida sua tábua de leis. Desde que aqui cheguei, preservo as nascentes do córrego de águas cristalinas, denominado Engenho da Raquel. Nascentes estas, dentro de terreno de minha propriedade. Isto há 30 anos, importante registrar que os melhores jazimentos quartzíticos ocorrem nessa mesma área de reserva de preservação natural particular, ( RPPN- ainda sem registro oficial). Contudo, não permito a mim e a nenhuma outra pessoa a exploração da mesma. O curioso é que as autoridades ambientais ignoram solenemente esta atitude de cidadania e comprometem a sobrevivência de nossa pequena empresa, com multas de valores cada vez mais elevados em escala geométrica, além de exigir a paralisação imediata dos trabalhadores, até que se corrijam as falhas relatadas. A média de tempo de ociosidade da mão de obra é de cerca de oito meses. Do ano de 2005 até o momento, sofremos três sanções de infração grave e qualificação de nível de gravíssima degradação ambiental. O que não é esclarecido é o critério usado para tal. Para se ter uma idéia, em seis hectares de área liberada pelo DNPM, o técnico da SUPAM-MG (um engenheiro civil), assinou um termo de infração(09/05/2009), cuja pena em reais é de R$10.001,00, valor superior ao terreno em exploração do minério quartzito. Um aspecto positivo dessas agressões sucessivas e corrosivas ao nosso patrimônio é que fortaleceu em mim a necessidade de aprender com mais objetividade às leis ambientais e conciliar a extração mesmo artesanal e lenta, com o mínimo de agressão ao meio ambiente. Portanto, a decisão de prestar vestibular para o aprendizado como gestor nesta área é conseqüência dos imperativos acima expostos. Reflexão prudente de um jovem de 58 anos, que vem percorrendo há três décadas o caminho das pedras, mesmo após concluído o curso de História e cursado por quatro anos, Engenharia de Minas na UFMG. Agradeço sinceramente a contribuição desses técnicos concursados e pouco vocacionado pelo incentivo, pois que, meu contato com o ensino acadêmico à distância, me fez contactar com um mundo virtual e fascinante para quem tem sede de saber e quer evoluir.

A natureza obedece a quem lhe respeita as leis.

Francis Bacon
Filósofo inglês séc.XVII.

Esse é um paradoxo e um paradigma que aprecio e gosto de praticar sua essência.
Vamos comentar a respeito da área de trabalho que fica distante de Gouveia 13 Km. Seu nome é Engenho e “é uma praia seca de um mar de pedra”.
A Geologia, disciplina básica no estudo da Engenharia de Minas, identifica a região como pertencente remotamente a um mar ancestral. A cordilheira da Serra do Espinhaço era como uma espinha dorsal, submersa (isto há milharesde milhões de anos), onde pontos mais altos como o Pico Itambé, próximo a Diamantina, de hoje, seriam ilhas. Isto explica, em parte, a pobreza do solo gouveiano carente de cálcio, fósforo, potássio, nitrogênio,etc, tornando-se deficiente para a agricultura. Terreno arenoso resultante da decomposição de rochas, paupérrimo em insumos fertilizantes. Gerou uma família numerosa de voçorocas (cerca de 300), denominada “Depressão do Gouveia”, a segunda maior do Brasil. Erosão chamada de lençol ou dispersa. Por não ser pontual, rompe a camada da superfície, invade os níveis subterrâneos dos campos rupestres, carreando para os rios, volume de magnitude suficiente para assorear, com prejuízo elevado, a barragem do Rio Paraúna (primeira hidrelétrica da região), por exemplo.
A natureza é sábia. O componente principal da rocha quartzito é a areia (sílica). Felizmente não degradada, não decomposta, é maciça, é pedra. Como sempre reafirmo: é alimento carreado para muitos lares. É emprego por longo tempo, solidificando a estrutura da relação familiar. Próximo da casa, na divisão de trabalho de auto-gestão estabelecida nas ações da AEG Comércio e Industria e da COOPITA, no Engenho. Isto se traduz em satisfação garantida e dinheiro no bolso do homem trabalhador, além de permitir ao extrator o reconhecimento das ações produtivas por parte do Executivo municipal, interessado em seu bem-estar, incentivando e investindo na permanência de seu sustento. Aqui mesmo, nos quintais de nossa Gouveia.

           
            Pedras no caminho, são muitas. Emoções desagradáveis e difíceis de digerir.

Quando adiam a colheita, os frutos apodrecem.
Mas quando adiam os problemas, elas não param
de crescer.

Paulo Coelho.

Pedras no caminho ?
Guardo todas, um dia, vou construiu um castelo.

Fernando Pessoa

Conclusão


Ser feliz é reconhecer que vale a
pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história.
                                                               
Fernando Pessoa


            A sensação de estar escrevendo a própria história é indescritível, porém nos traz à consciência, nosso compromisso com a responsabilidade social, ou seja, contribuir para consolidação de uma sociedade mais justa, sendo fraternos, nesta região estigmatizada por relações servis, degradantes, a exemplo da escravidão de irmãos de Mãe África, em  passado recente.

Procure ser uma pessoa de valor, em vez de ser
uma pessoa de sucesso. O sucesso é uma
conseqüência.

Albert Einstein

           
No correr dos anos, apesar de perseguir o sucesso material consegui felizmente a prosperidade, mesmo tendo bolsos vazios. Sou um homem que sonha, diz o poeta que posso ser do tamanho de meu sonho. Acredito no meu valor, no meu caráter, bandeira que defenderei até o fim dessa existência. Esse exercício não trata de filosofia pessoal, porém seu intuito é de exercitar a interdisciplinaridade que aprendi e entendo estar dentro e fora de nós, depende de crer. Com liberdade e com respeito exponho esse texto à apreciação de você, caro leitor, esse ponto de vista pessoal em questão ambiental, sem seguir normas rígidas da ABNT. Atrevo-me ainda, a não apresentar soluções porque sei que, não são as respostas e sim as perguntas que alimentam o espírito e fomentam nossa evolução enquanto humanidade.  

                                                    Contar é muito dificultoso, não pelos anos que se já passaram, mas pela astúcia que tem certas coisas passada.

João Guimarães Rosa


Fernando Antônio Linhares de Araújo
Diamantina
2010

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